domingo, 19 de agosto de 2012

Transfiguração de Nosso Senhor, Deus e Salvador Jesus Cristo

11º Domingo Depois de Pentecostes
19 de Agosto 2012 (CC) / 06 de Agosto (CE)



MATINAS

Lucas 9:28-36

     28 Cerca de oito dias depois de ter proferido essas palavras, tomou Jesus consigo a Pedro, a João e a Tiago, e subiu ao monte para orar.    29 Enquanto ele orava, mudou-se a aparência do seu rosto, e a sua roupa tornou-se branca e resplandecente.    30 E eis que estavam falando com ele dois varões, que eram Moisés e Elias,    31 os quais apareceram com glória, e falavam da sua partida que estava para cumprir-se em Jerusalém.    32 Ora, Pedro e os que estavam com ele se haviam deixado vencer pelo sono; despertando, porém, viram a sua glória e os dois varões que estavam com ele.    33 E, quando estes se apartavam dele, disse Pedro a Jesus: Mestre, bom é estarmos nós aqui: façamos, pois, três cabanas, uma para ti, uma para Moisés, e uma para Elias, não sabendo o que dizia.    34 Enquanto ele ainda falava, veio uma nuvem que os cobriu; e se atemorizaram ao entrarem na nuvem.    35 E da nuvem saiu uma voz que dizia: Este é o meu Filho, o meu eleito; a ele ouvi.    36 Ao soar esta voz, Jesus foi achado sozinho; e eles calaram-se, e por aqueles dias não contaram a ninguém nada do que tinham visto.   


LITURGIA

2 Pedro 1:10-19

     10 Portanto, irmãos, procurai mais diligentemente fazer firme a vossa vocação e eleição; porque, fazendo isto, nunca jamais tropeçareis.    11 Porque assim vos será amplamente concedida a entrada no reino eterno do nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.    12 Pelo que estarei sempre pronto para vos lembrar estas coisas, ainda que as saibais, e estejais confirmados na verdade que já está convosco.    13 E tendo por justo, enquanto ainda estou neste tabernáculo, despertar-vos com admoestações,    14 sabendo que brevemente hei de deixar este meu tabernáculo, assim como nosso Senhor Jesus Cristo já mo revelou.    15 Mas procurarei diligentemente que também em toda ocasião depois da minha morte tenhais lembrança destas coisas.    16 Porque não seguimos fábulas engenhosas quando vos fizemos conhecer o poder e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, pois nós fôramos testemunhas oculares da sua majestade.    17 Porquanto ele recebeu de Deus Pai honra e glória, quando pela Glória Magnífica lhe foi dirigida a seguinte voz: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo;    18 e essa voz, dirigida do céu, ouvimo-la nós mesmos, estando com ele no monte santo.    19 E temos ainda mais firme a palavra profética à qual bem fazeis em estar atentos, como a uma candeia que alumia em lugar escuro, até que o dia amanheça e a estrela da alva surja em vossos corações;   

Mateus 17:1-9

     1 Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro, a Tiago e a João, irmão deste, e os conduziu à parte a um alto monte;    2 e foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.    3 E eis que lhes apareceram Moisés e Elias, falando com ele.    4 Pedro, tomando a palavra, disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se queres, farei aqui três cabanas, uma para ti, outra para Moisés, e outra para Elias.    5 Estando ele ainda a falar, eis que uma nuvem luminosa os cobriu; e dela saiu uma voz que dizia: Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo; a ele ouvi.    6 Os discípulos, ouvindo isso, caíram com o rosto em terra, e ficaram grandemente atemorizados.    7 Chegou-se, pois, Jesus e, tocando-os, disse: Levantai-vos e não temais.    8 E, erguendo eles os olhos, não viram a ninguém senão a Jesus somente.    9 Enquanto desciam do monte, Jesus lhes ordenou: A ninguém conteis a visão, até que o Filho do homem seja levantado dentre os mortos. 




O ÍCONE DA TRANSFIGURAÇÃO

Iniciemos a leitura do ícone pela esquerda. Até o centro, podemos observar uma espécie de gruta, dentro da qual se vêem atrás os apóstolos, precedidos por Jesus, que é o único que tem auréola.

“Jesus tomou consigo a Pedro, Tiago e João”, escreve o evangelista, “e conduziu-os a sós a um alto monte.”[1] São os mesmos que, no Getsêmani,[2] tinha de levar consigo, ao separar-se do grupo de discípulos, para introduzi-los no mistério de sua pessoa.

Quer revelar-lhes a luz e começa por encaminhálos ao alto, até os cumes.[3] Começa assim “a aproximar-se (...) e a iluminar o escuro”, isto é, a sugerir conceitos de significado profundo e forte.[4]

Eis dois símbolos que convém destacar: a gruta e a altura. Os dois quadros do centro, da esquerda e da direita, nos quais se vê Cristo e os três discípulos, subindo e descendo; já dissemos que o iconógrafo representou como uma gruta.

A gruta encerra diversos significados, embora relacionados entre si. Já os antigos filósofos representavam nosso mundo sensível como uma caverna.[5] Gregório Nisseno recorre ao símbolo da caverna para expressar o mistério da Encarnação. Para encorajar os discípulos na ascensão pelo mundo material, Cristo desvenda o mistério de sua Encarnação.[6] Pelo contrário, a descida - sempre dentro da gruta - é a volta ao mundo sensível, após a experiência da visão divina.

Com respeito à altura, lemos em Romano o Melode:

“Aquele que descera à Terra, como só ele sabe,
e de novo subira, como só ele sabe,
convida os seus a subir a um alto monte,
a fim de que, elevando sua mente e seus sentidos,
esqueçam-se das coisas terrenas .”
[7]


Não poderia deixar de evocar-se o clamor da esposa, no Cântico dos Cânticos:

“Oh, esta é a voz de meu amado!
Ei-lo que aí vem,
saltando sobre os montes
pulando sobre as colinas”.[8]

E Orígenes comenta que o esposo é Cristo, que vem até uma esposa amada, a Igreja. Vejamos:

“...como, vindo à Igreja, salte Cristo sobre os montes e brinque pelas colinas. Caminhando e avançando, Isaac era cada vez maior, até chegar a ser bem grande.[9] Paulo, pelo contrário, progredia não caminhando, mas correndo: terminei minha carreira”.[10] Porém, de nosso Salvador e esposo da Igreja não se diz nem que caminha nem que corre; diz-se que sobe.[11]

Sobe, porque sobre o escrito por Moisés e pelos Profetas tinha-se estendido um véu.

E Orígenes continua, dizendo:

Quando se tira o véu à esposa,[12] imediatamente ela pode ver o esposo que aparece pelos montes, isto é, nos livros da Lei (...). Eliminado, finalmente, o véu que cobria cada passagem do texto, o vê surgir, emergir e irromper com toda clareza. Creio que, somente por isso, para sua transfiguração, não escolheu Cristo um lugar plano ou um vale, mas subiu a um monte e ali se transfigurou, para que saibas como ele sempre se manifesta nos montes e colinas e compreendas que não deves buscá-lo em lugar algum, senão nos montes da Lei e dos Profetas.[13]

Elias (os profetas), Moisés (a Lei) e Cristo (a Plenitude da Lei e dos Profetas) aparecem precisamente nos três cumes de um mesmo monte, do qual estão pendentes os apóstolos (os homens). “Meu Senhor Jesus Cristo, nosso Rei, disse-me: vamos ao monte santo. E seus discípulos acompanharam-no na oração.”[14]

O monte santo escalado é conhecimento inefável de Deus (theognosia). É abrupto e difícil. Escalá-lo, guiados por Cristo, significa, pois, negar-se a si mesmo[15] e orientar o espírito para os mais elevados graus da virtude.[16]

“O Senhor é Espírito e onde está o Espírito do Senhor ali há liberdade,[17] de sorte que todo aquele que crê plenamente em Deus, pode ser chamado de monte ou de colina, pela sua excelência de vida e sua profundidade de inteligência. Mesmo tendo sido por algum tempo vale, se Cristo cresce nele em idade, sabedoria e graça,[18]” também o referido vale será aplainado.[19]

É também de Orígenes a bela citação:[20]

“E todos nós, que com o rosto descoberto refletimos como num espelho a glória do Senhor, vamo-nos transformando nessa mesma imagem cada vez mais gloriosos, conforme a oração do Senhor, que é Espírito.”[21]


[1] Mc 9,3.

[2] Mc 14,33.

[3] Os montes e colinas, como lugares elevados, são símbolos de realidades positivas, em contraposição aos lugares baixos como sinais de materialidade e de pecado. Escreve Orígenes: “O fato de que todos os santos sejam denominados montes, seria confirmado por muitas passagens da Escritura, como se diz nos salmos: “Sua fundação sobre os santos montes” (Si 86 (87), 1); “Levanto meus olhos para os montes, de onde me virá o auxílio” (SI 120 (121), 1), etc. Poderíamos inclusive dizê-lo dos montes que o verbo divino sobe (Orígenes. Gomrnento ai canrico dei cantici, publicado por Simonetti, M., Roma, 1976 (III, 2,8). p. 226.

[4] Orígenes, ioc. cit., p. 222.

[5] Trata-se dos Pitagóricos, de Platão e, posteriormente, dos neoplatônicos. E famosa a alegoria platônica da caverna.

[6] Para um desenvolvimento e explicação dos conceitos sobre a gruta/caverna, veja-se Danielou. L’Essere e ii tempo ir? Gregorio di Nisso. Roma, 1991. pp. 230-241.

[7] Romano ei Melode. Himnos, 33 (SC 48).

[8] Ct 2,8.

[9] Gn 26,13.

[10] 2 Tm 4,7.

[11] Orígenes, op. cit., p. 225.

[12] 11 Cor 3,14.16.

[13] Orígenes, op. cit., p. 226 passini.

[14] “L’Apocalisse di Pietro.” lo: Gil Apocrifi, publicado por Weidinger, E. (edit. it. por Jucci, E.), n. 15, p. 682. Remonta esse apócrifo à primeira metade do século segundo.

[15] Lc 9,23; 14,27; Mc 8,34; Mt 16,24; 10,38.

[16] Cf. Gregório Nisseno. La vie de Moàre p. 207.
[17] 43.11 Cor 3,17.

[18] 44. Lc 2,52. A passagem refere-se a Jesus menino; porém, é sobretudo a base doutrinal do corpo místico, tão frequente nos comentários de Orígenes, o crescimento em Cristo é o crescimento de todo cristão enquanto a ele incorporado.
[19] 45. Lc 18,24.

[20] 46. Orígenes, op. ciL, p. 227.

[21] 47. lICor 3,18.

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